Centenas de milhares de bolivianos tomaram as ruas da capital, La Paz, nesta segunda-feira, para repudiar o golpe “fascista, racista e neoliberal” e “exigir a renúncia da autoproclamada presidenta Janine Áñez”
Leonardo Wexell Severo
Hora do Povo
Vindos das 20 províncias de La Paz, os manifestantes se concentraram ao redor da Praça Murillo, no centro da cidade, reforçando o movimento “anti-imperialista”, “em defesa da democracia e da soberania”. Ao mesmo tempo, camponeses vestindo trajes tradicionais e mulheres com pollera [saia indígena} anunciaram a multiplicação dos bloqueios de rodovias e avenidas por todo o país andino até a deposição da usurpadora.
O imenso contingente que coloriu a capital com o verde-amarelo- vermelho da bandeira boliviana também exigiu respeito à Whipala, estandarte símbolo dos povos originários, recentemente queimado pelos golpistas. Tamanha demonstração de racismo e aversão à ampla maioria da população tem isolado Áñez cada vez mais, provocando a ira popular contra o fascista Luis Fernando Camacho, de Santa Cruz, e o candidato derrotado Carlos Mesa, que somaram marginais e mercenários contra o presidente Evo Morales.
Em Cochabamba, além do retorno de Evo e da defesa do seu partido, o Movimento Ao Socialismo (MAS), a multidão exigiu a saída de Áñez e a punição a policiais e militares golpistas, que abriram fogo covardemente nos manifestantes, sexta-feira, assassinando dez trabalhadores rurais na cidade de Sacaba, deixando 135 feridos e prendendo 200 pessoas.
Professores rurais e movimentos sociais identificados com o MAS, realizaram uma marcha de protesto e posteriormente, assembleia comunitária em que reiteraram a exigência da renúncia da autoproclamada presidenta. De acordo com Marcelo Serrudo, da executiva da Federação dos Professores Rurais de Oruro, o momento é de frente ampla, de unidade e de mobilização para isolar os golpistas.
A manipulação grotesca dos meios de comunicação foi enfaticamente condenada, uma vez que as forças populares contam apenas com as rádios para romper o silêncio sepulcral em que se encontram submetidos os jornais e os canais de televisão. Mais do que censura, o medo pânico foi instaurado pela ameaça do Ministério de Comunicação de que os jornalistas que não estiverem sintonizados com a linha editorial do desgoverno serão perseguidos e acusados penalmente de “sedição”.
Na avaliação do deputado do departamento de Oruro, Zenón Pizarro Garisto, do MAS, “há muitos sargentos, cabos e soldados que estão mobilizados para multiplicar os inocentes, prontos para fazer valer o símbolo do Estado plurinacional e dar um basta à ditadura e aos golpistas”. Garisto frisou que a população traz bem presente os avanços conquistados ao longo de quase 13 anos de revolução democrática-cultural: “rodovias, unidades educativas, moradias, telecomunicações da área rural e industrialização, como a fábrica de cimento, piscinas e canchas sintéticas, são medidas que impulsionam uma medida de novos tempos”.
Um estudo recentemente divulgado comprovou que para respaldar o golpe com mentiras e manipulações contra Evo foram criadas mais de 68 mil contas falsas somente no Twitter. De acordo com Julián Macías Tovar, responsável espanhol pelo Unidas Podemos, a falsificação pode ter uma dimensão ainda maior, tentando justificar o injustificável em tempos tenebrosos de tortura, prisão e morte.
De Norte a Sul, a Proclamação geral das assembleias comunitárias (cabildos) organizadas contra o golpe fascista deu um ultimato para que Áñez renuncie a presidência e aprovou uma série de medidas emergenciais para garantir a imediata redemocratização do país.
Proclamação geral das assembleias comunitárias contra o golpe fascista na Bolívia
“A Bolívia vive um dos momentos mais difíceis de sua revolução popular, porque aquilo que se viveu nos tempos de Evo Morales foi uma autêntica e profunda revolução política que democratizou o acesso ao Estado na sua tentativa de descolonizá-lo, reduziu a pobreza e a desigualdade, assentou soberania frente ao imperialismo e nacionalizou os recursos naturais e as empresas estratégicas. No entanto, hoje o golpe contrarrevolucionário pretende impor-se pela violência, o racismo e o fascismo.
A falta de transformação revolucionária do Estado e da economia, e a convivência com setores pró-empresariais da oligarquia nacional é aquilo que hoje põe em perigo a revolução boliviana. É o Estado que hoje se rebela mediante suas forças repressivas para expulsar as classes populares da condução política do país e entregar o poder a seus velhos amos. Quando caía a Wiphala, com ela caíam as classes populares outra vez à exclusão e ao racismo, isso o compreenderam rapidamente as massas, se mobilizaram contra o golpismo e debilitaram o próprio Estado. De fato, o Estado já não domina grande parte do território nacional, mas associações comunitárias, sindicatos de operários e camponeses que se autoconvocam e são a única autoridade reconhecida.
A rigor, a direita golpista tem o governo, mas ainda não tem o poder.
Por isso, este é o momento mais importante, ainda as forças conservadoras não asseguraram todas as suas posições, ainda que busquem fazê-lo rapidamente como condição imprescindível para que triunfe o golpe. No entanto, a contrarrevolução vê elevar-se diante de si a um movimento popular vigoroso, que está disposto a lutar caso seja necessário, porém que recebeu um duro golpe em sua direção política. Precisamente aí radica um dos perigos do atual momento histórico: não contar com uma direção parlamentar o suficientemente unida e decidida para lutar contra o golpismo, e seu distanciamento do valoroso povo auto-organizado e mobilizado que tem enfrentado os golpistas.
A vitória do movimento popular em luta passa pela inadiável renúncia de Jeanine Añez, títere de Luis Fernando Camacho, por ser a expressão do Golpe de Estado em andamento. Não se trata de um mero governo de transição, de se afiançar o governo de Añez, as velhas classes dominantes e o imperialismo não permitiriam uma eleição justa para o povo. Eleições, sim, porém sem os fascistas no governo. A única garantia de autênticas eleições livres e democráticas são aquelas que respeitem a ordem constitucional, que Camacho e sua representante Añez não respeitaram e nunca respeitarão. Todo candidato do povo e ou partido popular que não esteja alinhado ao golpe, será perseguido, amedrontado e reprimido nas futuras eleições administradas por Añez e Camacho.
Que ninguém se confunda, que ninguém se equivoque, os golpistas assinarão qualquer acordo sempre que garanta dois aspectos: 1) Continuação de Jeanine Añez para que as velhas classes dominantes e o imperialismo se apropriem definitivamente do Estado para controlar e manipular as futuras eleições; 2) Desmobilizar as classes populares que são o inimigo a vencer pelos golpistas, por serem os únicos focos de liberdade política que ainda se conservam resistindo valentemente aos inimigos da pátria.
Os fascistas assinarão qualquer acordo para nos desmobilizar, e logo se aplicará a repressão seletiva a dirigentes políticos, sindicais e populares. Há vários exemplos semelhantes na história, só temos que recordar que logo da desmobilização dos indígenas no Equador veio a dura repressão de Lenin Moreno, e na Colômbia onde a direita após a assinatura dos acordos de paz aplicou a violência mais ensandecida contra dirigentes populares.
Resumindo, as velhas classes dominantes estão em pleno processo de afiançar e consolidar posições no aparato de Estado com o objetivo de derrotar o povo organizado. Somente assim o golpe estará consumado.
Está claro que a reação buscará reprimir totalmente ao movimento popular, já está fazendo de maneira parcial, fragmentada e seletiva mediante o deslocamento de militares, o que ocasionou lamentáveis mortes pelo uso de armas de fogo. O que se pretende, sem dúvida, é obter uma vitória militar que sepulte as organizações sociais.
Porém, realmente estão em condições de fazê-lo? Têm efetivamente coesas as forças repressivas diante de um crescente e imparável movimento popular? Não temos visto mudar decisivamente a correlação de forças a favor do campo popular a partir das massivas manifestações? A reação golpista não tem a legitimidade suficiente para o uso da violência, porque sem legitimidade social tanto a nível nacional como internacional, será a confirmação de uma ditadura e a auto-destruição do governo de fato de Jeanine Añez.
Todos devemos concentrar nossas forças na renúncia da autoproclamada Jeanine Añez porque ela é o sustento do golpe fascista que está assassinando sem piedade a nosso povo. Este golpe à democracia popular significa a alienação dos nossos recursos naturais, a perda da pátria, da dignidade e da soberania do povo boliviano. Este governo não é transitória, é a própria contrarrevolução que significará o fim de conquistas populares que hoje desfrutam o nosso povo e que lhe tem custado sangue.
Portanto, façamos nossos os objetivos do movimento popular organizado em assembleias comunitárias, que são os verdadeiros órgãos da democracia popular:
1 – Renúncia de Jeanine Añez como condição necessária para a pacificação do povo.
2 – Imediata libertação dos detidos injustamente nas mobilizações populares contra o carniceiro Arturo Murillo.
3 – Retorno imediato dos militares a seus quartéis, porque qualquer violação dos direitos humanos é delito de lesa-humanidade imprescritível, que será julgado tanto em instâncias nacionais como internacionais.
Basta recordar os conhecidos casos de Luis García Mesa, Arce Gómez e muitos outros repressores do povo latino-americano.
4 – Respeito à Wiphala por representar a luta milenária pela libertação dos povos indígenas que hoje estão resistindo ao retorno do racismo e ao colonialismo mais extremos da oligarquia nacional.
5 – Punição exemplar à Polícia, por haver traído ao povo e ter se vendido claramente ao golpe racista e fascista da direita, com sanção penal por ter ultrajado os símbolos pátrios do nosso Estado Plurinacional reconhecidos constitucionalmente.
6 – Prisão para Luis Fernando Camacho, Williams Kaliman, Carlos Mesa, Pumari, Waldo Albarracín e Rafael Quispe por propiciar o golpe de Estado, a violência e as matanças de nossos irmãos e irmãs bolivianos nos sangrentos massacres de Sacaba, Yapacaní e outros.
7 – Declarar inimiga do povo à imprensa vendida ao golpe cívico, político e militar, por caluniar, desinformar e ocultar a legítima luta do povo boliviano.
8 – Manter a mobilização permanente, declarar greve geral indefinida a nível nacional e cerco à cidade de La Paz com bloqueio de mil esquinas até que Añez renuncie e se restabeleça a Constituição e a democracia.
9 – Convocamos a Central Operária Boliviana (COB), a Federação Sindical de Trabalhadores Mineros da Bolívia (FSTMB), ao setor cooperativista, fabril, gremial, universitários, profissionais e outros a assumirem o seu papel histórico ao lado do povo que agora está em luta contra o golpe da direita fascista, neoliberal e imperialista. Do contrário, passarão à história como cúmplices da alienação dos nossos recursos naturais e do derramamento de sangue do povo humilde e trabalhador.
10 – Exigimos que os membros da Assembleia Nacional eleitos em 2014 pelo povo possam atuar com as garantias democráticas necessárias para restabelecer a ordem constitucional na pátria. Os deputados e senadores que estejam ao lado de seu povo contra o golpe da direita fascista têm todo o respaldo e o apoio das bolivianas e bolivianos que preferem morrer antes que viver escravos.
VIVA A BOLÍVIA DIGNA, LIVRE E SOBERANA!
ABAIXO O GOLPE DA DIREITA NEOLIBERAL E FASCISTA!”
#TodosContraElGolpe
17 de novembro de 2019